Não digo com precisão o momento onde a paixão arrebatadora ameaçou despedir-se. Nem mesmo sei se ameaça houve. Fato é que certa noite ao repousar meus pensamentos no travesseiro eles não quiseram repousar dentro de mim. Mais de primaveras de amor. Mais de primaveras de carícias salutares. Mais de primaveras e a nova barreira geográfica para nos separar. E eu não conseguia mais sentir aqueles belos olhinhos me procurando por onde quer que eu fosse. E os olhinhos eram os seus. O frenesi, sempre meu. A epifania, ah, essa era de quem se achava em direito. O problema foi o direito. Quem deu direitos ao amor para se apoiar em nós? Mas o amor era ‘nós’. E nós éramos um sonho; realizado. Realizando-se. Acontecendo em juras, promessas e pormenores que saem tão docemente da boca de casais apaixonados. O problema foram os pormenores. Quando não há acordos claros, senão o de amar enquanto o amor houver, tudo soa tão mais razoável... Ledo engano. Lindo engano. Ao menos até se saber tratar-se de um engano. A culpa foi o engano. As emoções gritando alto, rogando para serem atendidas, correspondidas. E não se pode raciocinar os fins quando nos meios se misturam tantos sentimentos. A culpa foi dos sentimentos. Um turbilhão de sensações. Um trilhão de sentimentos. A alegria no ver. O apresso. A inquietação no toque. A tristeza no ‘até logo’. A euforia no ‘estou de volta’. O amor em si. É isso. A culpa foi do amor. E este réu é condenado por intrometer-se em nossas vidas e nelas confundir tudo quanto um dia se pensou ter certeza.
Não. O amor não teve culpa. O amor não traz em si a culpa ou qualquer outro mal. Não na essência. A culpa foi não haver culpa para haver raiva e disfarçar a dor. A dor sim; havia. Houve por muito tempo. Uma dor de dar dó ré mi fá sol... E morrer num choro em sol. Um choro soluçante em mínima pontuada. Dor que só (vi)vendo. Mas assim não fosse, aquilo que era tão belo, com o (contra) tempo deixaria de ser amor. E já não valeria o sonho, pois o que não é amor acaba. E o que se passou terminou, mas sem deixar de existir; posto que sempre há de ser amor.
Tudo estaria bem. Não fosse o vazio que entrara logo que o amor se esvaia.
Daniel Aguiar.