Todo dia ela saia de casa e esquecia um sorriso largado na
cômoda. Seguia pela avenida partida por um canteiro (desses que falam de amor
em semicolcheias com ligaduras pelos bares). Un cantautor que por una cabeza
havia roto um coraçãozinho tímido. Ela seguia, seguia:
-Se guia – sua mãe sempre dizia.
Caminhando ela via passar a vontade, a vertigem, a virtude.
A vicissitude. Caminhando ela chegava – essa era a palavra de ordem. E talvez
por isso (e só por isso) ela caminhava. Desse jeitinho ela ia chegando onde
precisava. No banco. Não no que tem dinheiro. Naquele da praça que tropeçava no
pé dela sempre que ela passava. Ali ela ficava. Adormecia olhando o céu, e se
lembrava. De quê mesmo? Ela nunca soube, mas se lembrava com lágrima no fosco
verde do seu olhar. Fosca era a vida.
Seguia, seguia, e chegava. Trabalhava. Tentava um sorriso do
canto da boca, mas nada saía. A cômoda sorria. Gargalhava com a cama. Sapateava
na escada. Ou era uma salsa? Ou era um erro? As pernas faziam um laço pra
presente e ela tremia. Temia, pois era hora de caminhar. E ela caminhava.
Seguia. Sorria?
-Só ria! – os magos na rua diziam.
Era hora de céu alaranjado,
AzulOscuroCasiNegro. Ela
caminhava. Queria do brilho luar, embrulhar, presente fazer. E talvez por isso
(e só por isso) ela caminhava. E sempre chegava. A casa estava lá. O portão, o
sofá, o corre-dor, a cama, a cômoda. Ela olhava pro sorriso e pensava:
-Esqueci – tentando se convencer.
Então ela se lavava. Olhava no espelho e se penteava.
Ajeitou o sorriso no rosto. Deitou na cama, fechou os olhos olhando para o seu
céu. Sorriu. Depois dormiu.
Daniel Aguiar